Neste artigo de Henrique Vieira Filho, ele discorre sobre o Sereismo do ponto de vista psicanalítico, artístico e como filosofia de vida.
Henrique Vieira Filho em um exercício lúdico de Sereismo, Arte e Psicanálise
Um dos poderes positivos da mídia é o de despertar a curiosidade sadia sobre alguns tópicos universais, como por exemplo, a Mitologia das Sereias e ampliar o conhecimento da diversidade.
A novela de uma grande emissora televisiva trouxe ao conhecimento do público em geral, mais uma “tribo” moderna: a dos adeptos do Sereismo, ou seja, pessoas que são fascinadas pelo mundo aquático e que exteriorizam esse amor em suas atitudes ecológicas, no uso de acessórios com cores, formas e temáticas de ambientes marinhos e fluviais e, até mesmo, nadam caracterizados como sereias e tritões.
Existe certa semelhança com as “tribos” urbanas de “vampiros” (pessoas que apreciam as atividades noturnas, roupas de época, a sensualidade e até organizam campanhas de doação de sangue, que até usam próteses dentárias para melhor se identificar a estas personas…).
Seria caso de “fuga” da “realidade” ou um exercício lúdico e criativo de conexão ao seu mundo interior? Cada caso é um caso! Toda generalização é injusta e devemos manter a mente e os corações abertos para o entendimento.
Mirella Ferraz, o principal nome do Sereismo no Brasil e a obra Brazilian Mermaid de Henrique Vieira Filho
A Psicanálise dos Contos de Fadas é um estudo obrigatório a todo Terapeuta: desenvolve o raciocínio analítico, amplia a capacidade de interpretar os sonhos e de compreender o inconsciente coletivo.
Se usar um “filtro” freudiano para estudarmos as sereias, a conotação com a sexualidade, incesto, castração e figura materna seriam bastante consideradas. Afinal, uma figura que, na porção superior, é humanamente encantadora e sedutora, mas, que em sua região baixa possui um impeditivo ao sexo… abre as possibilidades de interpretação tal qual tal qual ocorreria nos complexos de Édipo/Electra (sim, eu sei que Freud não apreciava essa nomenclatura feminina…).
Assim sendo, lidar com nossa porção sereia/tritão seria um chamado para compreendermos e transcendermos esta fase da vida.
Se enxergarmos com olhos “junguianos”, o leque de possibilidades interpretativas se amplia ainda mais.
Todas as variáveis do Sereismo apontam para a Anima – Yin (o lado feminino de nosso ser): água, sedução, beleza, feminilidade, fluidez…
De certa forma, podemos compreender as diversas sagas (nosso mergulho” no inconsciente, a busca pelo autoconhecimento…) em que figuras heróicas (nossa porção Animus – Yang) vão ao salvamento de “donzelas em perigo” (nossa própria “metade” feminina…), enfrentando poderosos e misteriosos seres, dentre os quais as sereias, que aqui seriam também facetas de nosso feminino, não raro “herdadas” das figuras maternas de nossa infância.
Outra interpretação plausível para as sereias e tritões seria análoga às dos centauros (Quíron, inclusive…): a conexão entre o transcendental e o material, entre o consciente e o inconsciente, superego e id, aspirações da alma e as do corpo… ou seja, a parte humana (região superior do corpo) e a parte primitiva/animal (a porção peixe…).
Claro que, todo esse amplo leque de possibilidades ora aberto é uma forma de “generalização” e, como tal, tendo a falhar quando nos deparamos com os casos, que são sempre individuais e ÚNICOS.
Alguns estudiosos consideram que as lendas milenares, de tradição verbal, dizem muito sobre o inconsciente coletivo, enquanto que as histórias mais recentes e de autoria conhecida falam mais sobre o próprio escritor.
Em “A Pequena Sereia“, de Hans Christian Andersen, ele retrata a vontade de sofrer a dor e a mutilação (perda da cauda da sereia e sua voz) como condições para casar com um príncipe.
Enquanto alguns interpretam como uma metáfora sobre o desenvolvimento sexual feminino, muitos aí projetam os conflitos homossexuais do próprio Andersen, dentro do conceito de Freud do papel da ansiedade de castração no complexo negativo de Édipo.
Se assim for, as questões sexuais não resolvidas de Andersen podem ter sido a inspiração da história..
Um olhar junguiano analisando “A Pequena Sereia” encontraria projeções da busca transcendental de Anderson, onde a sereia é recompensada por seu altruísmo, transmutando a própria morte física e conquistando uma alma imortal entre as filhas do ar.
Em suma, não existe uma regra interpretativa que sirva para todos as pessoas,em todos os seus momentos. O livre pensar deste artigo é tão somente um exercício para manter nossa mente interpretativa atenta e o coração receptivo, sem julgamentos.
Pontuando que, é claro, CLIENTE é quem busca ESPONTANEAMENTE nossos serviços profissionais e, como tal, pressupõe que espera de nós, uma análise e interação e. JAMAIS nenhuma forma de “julgamento” (nem positivo, nem negativo)…
…Para satisfazer aos mais pragmáticos, podemos emprestar um pouco da praticidade sugerindo um repertório básico de questões a serem inseridas no contexto de atendimento de um Cliente que seja adepto do Sereismo.
- Sente-se feliz?
- Necessita de cada vez mais tempo dedicado a esta prática para se sentir bem e, na impossibilidade de vivenciar o Sereismo, apresenta ansiedade, irritabilidade, insônia e desconforto?
- Está negligenciando as demais atividades sociais, profissionais ou de lazer na dedicação ao Sereismo?
Em suma, alguns questionamentos (e não “julgamentos”…) convencionais que seriam aplicados em qualquer situação de comportamento, para detectarmos até que ponto é (ou não…) uma “fuga” de algo, e como podemos integrar esta faceta da personalidade.
Afinal, é sadio transitarmos entre diversas “personas” (facetas de nossa personalidade…), mas, o que pode se tornar um problema é quando nos “fixamos” ou nos limitamos a tão somente uma: seja a “persona” do “Sereismo”, seja a de “Mãe”, seja a de “Artista”, seja a de… “Terapeuta”!
Na abordagem holística, tudo é menos “acaso” e muito mais SINCRONICIDADE!
Então, se o Sereismo se transformou na pauta midiática do momento, vamos aproveitar construtivamente e estudar ainda mais sobre o fascinante universo dos Arquétipos, pois, em cada mito, espelhamos um pouco mais de nós mesmos!