Freud, Nossas Bisavós E Os Vibradores
As milenares Técnicas Tântricas aliam-se ao centenário Orgasmo eletromecânico e a curiosa origem dos vibradores no Século 19 como tratamento para todos os males da mulher, atualmente resgatado como instrumento terapêutico nas versões modernas da milenar arte tântrica.
Quando iniciei-me no universo “alternativo”, há algumas décadas, o Tantra era quase exclusivo aos pares formados entre os próprios terapeutas, como meio para equilibrar os centros energéticos e atingir a transcendência, tendo a sexualidade e amor como instrumentos. Eventualmente, era ofertada como terapia para casais, com estes participando de cursos onde aprendiam a teoria e prática tântricas.
Já nos últimos anos, surgiu uma nova turma de “gurus do sexo”, propondo outras formas de dispor do tantrismo como terapia. Polêmicas à parte, no formato adotado por estes grupos neo-tântricos, já não é mais pré-requisito o casal, sendo que, no caso do Cliente procurar a terapia individual, caberá aos profissionais fazerem o papel complementar, seja o masculino, ou o feminino. Por meio do toque, respiração e movimentos, propõe-se a ativação da energia da líbido, harmonizando e redistribuindo por todo o ser.
O orgasmo, ainda que não seja a finalidade, é comum ocorrer neste processo. Neste contexto tão diferente do que era há algumas décadas, deparamos também com o uso de luvas de borracha (assepsia e tentativa de minimizar a erotização do toque por parte dos profissionais) e, no caso da clientela feminina, o acréscimo de um recurso eletromecânico: os vibradores…
Por sinal, esta metodologia vem obtendo grande atenção da mídia…
Em primeira impressão, parece uma “modernização” da técnica, porém, a verdade é que nada mais é do que a volta a uma prática muito comum no final do Século 19 e primeiras décadas do 20, justificada por milenares interpretações machistas atribuídas a Hipócrates. Este chamava de histeria, aos sintomas físicos sem causa aparente, condição que considerava tipicamente feminina, razão pela qual, pressupunha que a origem do problema deveria estar no útero, ao qual atribuíam o estado de “ardente”…
Eis que no puritano universo ocidental nos idos de 1850, uma “epidemia” do gênero tomou conta das recatadas damas da sociedade e, o único tratamento conhecido para a “histeria” era o toque clitoriano, que era realizado pelos médicos, em seus consultórios.
A manipulação era continuada até que a Cliente atingisse o “paroxismo histérico”, que era considerado um espécie de “ataque de histeria” obtido em ambiente controlado.
Em decorrência disto, os sintomas físicos desapareciam e os maridos ficavam satisfeitos em constatar esposas mais calmas e felizes. Ou seja, pareciam desconhecer o que era um ORGASMO feminino, mas, pelo menos, já utilizavam de seus benefícios para o equilíbrio somatopsíquico…
Eis que aqui, já podemos justificar a presença de Freud no título deste artigo, pois, foi justamente trocando informações com seus colegas que trabalhavam nesta linha de terapia, que firmou sua convicção de que problemas ligados à sexualidade eram a origem e a chave para solucionar inúmeros distúrbios.
A Psicanálise trabalhou esta hipótese e, nesta linha, ninguém ousou mais que seu discípulo dissidente, Wilhelm Reich, que publicou os inúmeros benefícios do “clímax” sexual, em sua obra: “A Função Do Orgasmo“.
A procura por esta terapia “miraculosa” era tamanha que os consultórios não davam conta de atender, já que dependiam da destreza manual dos profissionais, que começavam a sofrer danos por esforços repetitivos.
Como alternativa, experimentava-se os jatos de água, mas, como podemos constatar pela figura a seguir, no formato que adotaram, não era prático, nem eficiente.
Eis que em 1880, o doutor Joseph Mortimer Granville, patenteia o primeiro vibrador eletromecânico, de fabricação encomendada com seu relojoeiro. Rapidamente, a idéia foi aperfeiçoada por várias empresas, até conseguirem tamanhos portáteis e baixo custo, o que possibilitou que todo lar pudesse ter ao menos um equipamento para o tratamento da “histeria” sem mais depender de ir a consultórios médicos.
A popularidade era grande e com as bençãos da sociedade machista, que bem ignorava as demais potencialidades deste instrumento terapêutico.
Propagandas em revistas, jornais e cartazes, não raro, anunciavam os equipamentos como “a maior descoberta médica de todos os tempos”, capazes de proporcionar “paroxismos histéricos” de alta intensidade, eficientes para tratar de todas as mazelas femininas.
Seja a bateria, ou a manivela e até por ar comprimido, há grandes chances de nossas bisavós (isso se o leitor for da mesma faixa etária que eu, claro…) terem usufruído das maravilhosas invenções terapêuticas.
Porém, é bem provável que nossas avós e mães não tenham tido a mesma oportunidade, pois, a partir de 1920, com o advento dos filmes pornográficos, finalmente a sociedade machista e puritana tomou conhecimento dos potenciais usos destes equipamentos.
Assim sendo, de terapia doméstica indispensável em qualquer lar que se preze, os vibradores passaram a ser enquadrados como inadequados às “mulheres de bem”.
Os fabricantes não se deram por vencidos, e buscaram outras formas de divulgar de forma mais discreta, a disponibilidade para compra. Desde anúncios em que as figuras estavam aplicando os vibradores na… têmpora (!), até literalmente vendidos disfarçados em caixas que anunciavam aspiradores de pó, e outros ofertados como aparelhos de “múltiplas utilidades”, onde os motores serviam, em primeira análise, como batedeiras de bolo, mas, que possuíam acessórios que, uma vez conectados, possibilitam utilidades bem diferentes.
Apesar desta estratégia, é fato que entre as décadas posteriores a 1940, a popularidade dos vibradores desapareceu, vindo a ressurgir, nos anos 70 em diante, assumindo seu caráter de instrumento voltado ao prazer feminino.
Assim sendo, como a Terapia Holística tem por tradição resgatar terapêuticas milenares ou, ao menos, seculares, até que não é de estranharmos que a linha tântrica traga de volta, mais uma antiga prática do tempo de nossas bisavós, ou seja, o vibrador, como uma panacéia universal…
Na certeza de que o tema é muito polêmico e que ainda carece de normas técnicas específicas, que só poderão ser criadas após amplo debate entre os profissionais, aliados à análise jurídica da questão, que fique este artigo, como uma forma bem-humorada e curiosa de trazer o assunto para discussão.
Henrique Vieira Filho é artista plástico, escritor, jornalista e psicanalista.
Sua experiência de décadas como terapeuta, em especial, com a Psicanálise Junguiana, lhe possibilita uma familiaridade ímpar com a mitologia e as imagens oníricas, sempre presentes em suas telas.
www.henriquevieirafilho.com.br
Henrique Vieira Filho é artista plástico, agente cultural (SNIIC: AG-207516), produtor cultural no Ponto de Cultura “Sociedade Das Artes” (SNIIC: SP-21915), diretor de arte, produtor audiovisual (ANCINE: 49361), escritor, jornalista (MTB 080467/SP), educador físico (CREF 040237-P/SP), terapeuta holístico (CRT 21001), professor de artes visuais e sociologia, pós-graduado em psicanálise e em perícia técnica sobre artes.