Artigos, Artigos para a Revista Terapia Holística, Artigos: Arte e Terapia

O Conceito Do Destino Na Psicanálise

Title: The Three Fates
Artist: Henrique Vieira Filho
As Moiras tecem o fio do destino de humanos e deuses. Das três irmãs, Cloto é a fiandeira, iniciando o fio da vida; Láquesis determina o tamanho e a qualidade da existência e Átropos é quem corta, determinando o momento da morte.
Title: The Three Fates
Artist: Henrique Vieira Filho
As Moiras tecem o fio do destino de humanos e deuses. Das três irmãs, Cloto é a fiandeira, iniciando o fio da vida; Láquesis determina o tamanho e a qualidade da existência e Átropos é quem corta, determinando o momento da morte.

Em uma boa parcela das religiões, das antigas às atuais, o Destino de cada um é determinado pelas divindades. Sem precisar invalidar dogmas, a Psicanálise situa estas potências determinantes não apenas em céus, infernos, Olimpos, Asgards e similares, e sim, no próprio Inconsciente.

Alheias à nossa vontade, uma infinidade de ações vitais são executadas em nosso organismo (batimento cardíaco, circulação, reprodução celular, digestão, etc, etc….), relegando uma ínfima parcela à nossa participação consciente. O mesmo ocorre em nosso psiquismo: o que conhecemos de nós mesmos (memórias, sentimentos, desejos, vontades, etc, etc) é tão somente uma gota no oceano do Inconsciente (individual e coletivo), que continuamente age em nossa vida e com muito mais poder do que nosso Ego supõe.

Tamanho é este poderio que poderíamos interpretar como uma intervenção divina em nossas vidas, quando essa influência é percebida conscientemente. Ou seja, como algo fadado a acontecer, impossível de escapar: destino

Em árabe, temos o conceito de Maktub – aquilo que está escrito e, como tal, TEM que acontecer. De modo equivalente, em culturas grego-latinas, existe o “aquilo que está dito, que já foi falado”, ou seja, FATO, FATALIDADE, fadado a acontecer… Justamente daí deriva o nome anglo-saxão das mais conhecidas deusas do Destino: “The Fates”. Nos mitos grego-romanos, nominamos como Moiras, termo que significa “parcela que cabe a cada um” ou Parcas, palavra que identifica uma porção relativamente pequena, limitada de algo.

Por ser trindade, é retratada como três irmãs que tecem o fio da vida, na roda da fortuna: uma inicia o fio da meada (nascimento…), outra mede e estipula o tamanho da linha, determinando o tempo e qualidade da vida e a terceira decide quando a morte chega, cortando a fiada. Tão corretas e justas são as suas decisões que nem os demais deuses ousam intervir.

Maurizio Balsamo, em sua tese “Freud Et Le Destin”, identifica o uso do termo “destino” na psicanálise de duas formas: como a representação de uma impossibilidade de mudança e através da “compulsão do destino” (compulsão à repetição), onde se constata a recorrência de acontecimentos à revelia do sujeito.

Compulsão do destino: designa uma forma de existência caracterizada pelo retorno periódico de encadeamentos idênticos de acontecimentos, geralmente infelizes, encadeamentos a que o indivíduo parece estar submetido como uma fatalidade exterior, quando, segundo a psicanálise, convém procurar as suas causas no inconsciente, e especificamente na compulsão à repetição.

a) Elas são repetidas apesar do seu caráter desagradável;

b) Desenrolam-se segundo uma encenação imutável, constituindo uma sequência de acontecimentos que pode exigir um longo desenvolvimento temporal;

c) Surgem como uma fatalidade externa de que o indivíduo se sente vítima

(Laplanche & Pontalis, 1970)

Para Freud, a meada que determina o destino encontra-se nos impulsos inconscientes, determinados pelo próprio sujeito a partir de influências que advém da primeira infância.

Jung, por sua vez, amplia o conceito, somando aos impulsos adquiridos para o inconsciente pessoal, a um universo muito mais amplo e pré-existente, sendo o Inconsciente Coletivo (tal como uma “Alma Do Mundo”…) um legado histórico da humanidade, pré-existente.

O homem “possui” muitas coisas que ele nunca adquiriu, mas herdou dos antepassados. Não nasceu “tabula rasa”, apenas nasceu inconsciente. Traz consigo sistemas organizados e que estão prontos a funcionar numa forma especificamente humana; e isto ele deve a milhões de anos de desenvolvimento humano. Da mesma forma como os instintos dos pássaros de migração e construção do ninho nunca foram aprendidos ou adquiridos individualmente, também o homem traz do berço o plano básico de sua natureza, não apenas de sua natureza individual, mas de sua natureza coletiva. Esses sistemas herdados correspondem às situações humanas que existiram desde os primórdios: juventude e velhice, nascimento e morte, filhos e filhas, pais e mães, acasalamento, etc. Apenas a consciência individual experimenta estas coisas pela primeira vez, mas não o sistema corporal e o inconsciente.

(The Collected Works of C. G. Jung, Vol. 4).

Em sua obra “Psicologia e Religião”, Jung compara o inconsciente coletivo a ”um Olimpo cheio de divindades que querem ser propiciadas, servidas, temidas e veneradas”: são os Arquétipos e os Complexos Autônomos, registrados pela humanidade em sua mitologia, cultura, história e religião, verdadeiros centros autônomos de energia, multiplicidade regida por uma “central”, o Self (conceito traduzido simploriamente como “Si-Mesmo”…), que constitui a totalidade do universo psíquico.

Os Complexos são vistos como sendo as estruturas básicas da psique, são por assim dizer os seus “órgãos vitais”, em que se assentam os conflitos, tanto pessoais, quanto de ordem coletiva, ou seja, arquetípica.

São unidades “vivas” e capazes de existência autônoma, como “almas parciais” ou personalidades fragmentadas que “pensam” e sentem diferentemente do Ego (que igualmente é um Complexo, só que consciente…), por isso têm atuação perturbadora sobre a consciência, todas as vezes que é constelado (manifestado…).

Complexos são estruturas normais da psique e só se tornam problemas quando o Ego não consegue diferenciar-se deles, nem lhes dar uma expressão criativa.

Por trás das características pessoais do Complexo há uma ligação com as experiências típicas da humanidade, os Arquétipos, que são como que idéias universais, padrões de comportamento, histórias pré-existentes, que se manifestam nos sonhos e nas artes, uma verdadeira linguagem do inconsciente.

Enquanto os Complexos constituem configurações específicas, verdadeiras personalidades autônomas “habitando” em nosso inconsciente, por sua vez, os Arquétipos são pura potência, matrizes pré-existentes na coletividade humana.

Podemos tecer uma analogia do Inconsciente Coletivo com um cristal com uma infinidade de facetas, que, ao girar possibilita ao nosso consciente perceber somente uma por vez, costumeiramente revelada nos sonhos.

A revelação de cada uma das “facetas do cristal acontece à revelia do nosso Ego e independente de qualquer estímulo externo.

O inconsciente tem seu próprio ritmo e ordem na revelação de suas facetas. A ordem dos arquétipos quanto às suas manifestações (constelações…), segue um plano maior (destino…), com uma seqüência de conexões de significados, cunhando tanto imagens típicas quanto acontecimentos em nossas vidas, que são percebidas como relacionadas sem o sentido de “causa e efeito”, sendo identificadas por quem as vivencia emocionalmente como significativas. A estas situações, nominamos Sincronicidade.

Quando novos conteúdos inconscientes querem emergir na consciência, surgem acontecimentos “externos” em nossas vidas, por exemplo, um livro dizendo exatamente o que precisávamos compreender, ou encontramos com pessoas que agem como catalisadoras, trazendo à tona tudo o que estava por se manifestar em nós e em nossas vidas.

Essas “coincidências significativas” (sincronicidades…) correspondem exatamente aos conteúdos inconscientes constelados, tornando-os conscientes.

O Self é que determina qual lado do “cristal” irá se apresentar ao Ego, seguindo uma ordem maior dotada de intencionalidade e finalidade próprias. Jamais opera ao acaso, regulando os acontecimentos da vida e pela desejo no ser humano de se tornar aquilo que realmente é, em todo seu potencial. Ele se revela através de “sinais”, intuição, de imagens, de sonhos, de acontecimentos que se desdobram sem relação direta (causa e efeito…), mas que são percebidos como em “coincidências significativas”, necessárias, ou ainda, DESTINO

Tal qual as Moiras, o Self é o fator ordenador dos acontecimentos da vida.

O esforço consciente do Ego em compreender a intencionalidade do Self é o que Jung chamou de Individuação, que é o empenho consciente na realização do próprio Destino.

O Ego consciente tem sua origem no Self, mesmo quando desconhece o fato; ambos são os protagonistas do drama da individuação, do longo e árduo caminho da nossa própria vida em direção à totalidade.

Individuar-se é tomar-se o ser único que se é, é realizar seu destino, é a grande jornada do Ego, ou a Odisséia do Ego, no universo das imagens arquetípicas, na busca da realização consciente do Self.

Porquanto o processo seja único, segundo cada indivíduo, há um elemento comum em todos os processos, ou seja, o confronto e diferenciação do Ego de determinados arquétipos: a Sombra, a Anima e o Anirnus, o Velho Sábio, a Grande Mãe e a Criança.

A essência da individuação consiste no “conhece-te a ti mesmo”, o que requer muita coragem e resignação do Ego, pois, dessa jornada, muitos não voltam. Mas, se retornam, voltam modificados, enriquecidos e carregados de experiência e compreensão dos sofrimentos da alma humana e, por isso, plenos de uma profunda compaixão pelo seu semelhante.

O homem não pode escapar aos desígnios do Self, mas a possibilidade de uma experiência de significado somente se dá quando se tem a consciência de tal fato.

Parte de nossas funções como Terapeutas é catalisar o processo de individuação de nossos Clientes, propiciando meios e oportunidades para que estes se abram ao Self, seja por análise e ampliação de sonhos, exercícios de imaginação dirigida, enfim, dispomos de uma infinidade de técnicas aptas a esta jornada, fazendo justiça ao adjetivo HOLÍSTICA a cada sessão.

“O homem não é livre para escolher o seu destino,

mas, sua consciência lhe dá a liberdade para aceitá-lo

como uma tarefa que lhe foi atribuída pela natureza”

Aniela Jaffé – Psicanalista Junguiana

  • Artigos
Henrique Vieira Filho Administrator

Henrique Vieira Filho é artista plástico, agente cultural (SNIIC: AG-207516), produtor cultural no Ponto de Cultura “Sociedade Das Artes” (SNIIC: SP-21915), diretor de arte, produtor audiovisual (ANCINE: 49361), escritor, jornalista (MTB 080467/SP), educador físico (CREF 040237-P/SP), terapeuta holístico (CRT 21001), professor de artes visuais e sociologia, pós-graduado em psicanálise e em perícia técnica sobre artes.

http://lattes.cnpq.br/2146716426132854

https://orcid.org/0000-0002-6719-2559

follow me

Deixe um comentário