Neste artigo de Henrique Vieira Filho para o Jormal O Serrano, descubra os sentimentos e desejos da cidade de Serra Negra em uma sessão de terapia inusitada. Uma reflexão sobre identidade, turismo e a alma das cidades interioranas.
Publicado resumido no Jornal O SERRANO, Nº 6438 d 31/01/2025
Tela naif, de Henrique Vieira Filho, em homenagem ao artista Cid Serra Negra
Na edição anterior (https://henriquevieirafilho.com.br/2025/01/21/sao-paulo-no-diva-a-quatrocentona-em-terapia/), escrevi a ficção surrealista em que a cidade de São Paulo era minha cliente de Psicanálise. Desta vez, atendi minha querida Serra Negra!
Cena: Consultório, tarde ensolarada.
Serra Negra entra na sala de terapia de forma leve, quase dançando, com o charme de quem sabe que é conhecida pela sua hospitalidade e beleza. Ela traz uma xícara de café, provavelmente de algum pequeno sítio local.
Psicanalista: Seja bem-vinda, Serra Negra. Como está se sentindo hoje?
Serra Negra: Sorri, ajeitando um lenço imaginário de águas minerais. Estou bem, Henrique, mas confesso que ando… inquieta. Tenho pensado muito sobre quem eu sou e quem esperam que eu seja.
Psicanalista: E o que você descobriu?
Serra Negra: Suspira, olhando para o lado. Acho que sou uma cidade pequena com ambições grandes. Eu quero ser acolhedora, quero que as pessoas venham até mim para descansar, se conectar com a natureza… mas, ao mesmo tempo, não quero ser só isso. É como se eu carregasse o peso de ter que ser perfeita o tempo todo: charmosa, tranquila, cheia de saúde.
Psicanalista: Você sente que essa expectativa é um fardo?
Serra Negra: Não exatamente. Eu gosto de ser vista como um refúgio, mas às vezes parece que ninguém percebe que, por trás das fontes e das montanhas, tem também as minhas ruas cheias de história, meu povo batalhador. É como se eu só existisse para os turistas, sabe?
Psicanalista: E como você gostaria de ser percebida?
Serra Negra: Como alguém inteira! Sim, sou uma estância linda, mas também sou feita das minhas raízes, da simplicidade dos meus moradores, das tradições que mantenho vivas. Queria que as pessoas que passam por mim não só me consumissem, mas me conhecessem de verdade.
Psicanalista: Você sente que há uma desconexão entre o que você oferece e o que você é?
Serra Negra: Exatamente! É como se eu fosse sempre a “cidade cartão-postal”, mas nunca a “cidade pessoa”.
Psicanalista: E o que você acha que precisa para integrar essas duas partes de você?
Serra Negra: Pensa por um momento. Talvez mostrar mais as minhas histórias. Não só as águas que curam, mas os sotaques que guardam as memórias de quem vive aqui. E, talvez, aceitar que não preciso ser só uma coisa. Posso ser refúgio e lar, descanso e movimento.
Psicanalista: Isso parece um bom começo. Afinal, você não precisa ser uma projeção do que esperam de você. Pode ser, ao mesmo tempo, a cidade de quem passa e a cidade de quem fica.
Serra Negra: Sorri de canto. Gosto disso. Acho que vou começar a trabalhar nisso. Quem sabe na próxima Festa do Café eu faça algo para contar mais das minhas histórias.
Psicanalista: Excelente ideia. E lembre-se, você não está sozinha nessa jornada.
Serra Negra: Obrigada, Henrique. Ah, antes que eu esqueça… Na próxima sessão, posso trazer uns queijos da Serra para você?Psicanalista:Ri. Só se vier com um bom café!