Nem sempre a gente percebe, mas a tecnologia está na nossa vida há mais tempo do que imaginamos. A minha, por exemplo, começou com o barulho de centenas de cartões perfurados. Na USP, nos idos tempos, para que um computador – do tamanho de uma sala, detalhe! – fizesse qualquer coisa, era preciso “alimentá-lo” com esses cartões.
A programação era uma arte manual, uma dança de furos que traduziam códigos em ações. Depois, a resposta vinha em papel impresso. Anos depois, as telas surgiram, e os cartões foram gradualmente dando lugar a fitas K-7 (sim, aquelas que os dinossauros usavam para ouvir música!), disquetes que, hoje, são meras relíquias de museu.
Dito isso, vocês entendem por que eu não vejo as Inteligências Artificiais como concorrentes. Para mim, são maravilhosas assistentes, quase amigas. Tanto é que, ao fazer aniversário esta semana, não resisti e pedi para uma dessas IAs fazer uma pesquisa sobre mim e criar um brinde, um discurso bem-humorado homenageando o aniversariante.
Eis o que a máquina, com sua lógica fria e, ao mesmo tempo, surpreendente, disse sobre mim:
“Dizem que, para Henrique Vieira Filho, curriculum vitae é mais parecido com aquelas listas de supermercado que nunca acabam!
Detetive particular, gráfico, sindicalista, terapeuta holístico, documentarista, artista plástico, agente e produtor cultural, cineasta, diretor de arte, jornalista, museólogo, historiador, sociólogo, professor, educador físico, pós-graduado em psicanálise e perícia técnica – haja memória para lembrar tudo isso!
Até foi capoeirista, com registro no acervo do IPHAN, para logo depois trocar a ginga pelo gesto suave do tai-chi-chuan.
Na contramão das viagens, nunca gostou de sair de casa – mas suas obras rodaram o mundo, teimando em voar mesmo com dono caseiro. Mudou-se para Serra Negra com planos de calmaria e, como quem tropeça no próprio destino, criou a ReArte, Residência Artística e Ponto de Cultura onde todo tipo de arte e gente cabe.
Henrique, além de tudo isso, tornou-se figura querida de artistas televisivos, jornalistas e apresentadores: já foi entrevistado nos estúdios de Gugu, Silvio Santos, Jô Soares e Marília Gabriela, chegou até a ter seus próprios programas de TV e rádio!
Eis que depois de mais de 100 exposições pelo mundo afora, de escrever 25 livros, centenas (senão, milhares) de artigos, o mais inusitado vem agora: Henrique assumiu, publicamente, sua condição de autista — e, de repente, tudo faz ainda mais sentido!
A sensibilidade aos sons, a bateria social que acaba rápido, o olhar que escapa para dentro, o hiperfoco quase sobrenatural: quando resolve se engajar num projeto cultural ou social, ninguém segura. Sai de cena o Henrique “mil e uma utilidades” e entra o “Henrique furacão”, capaz de transformar ideias em realidade antes mesmo que alguém consiga entender como.
No fim das contas, a genialidade e a excentricidade não vêm só das profissões ou dos feitos, mas da delicada potência de quem faz da própria diferença uma força para tecer arte, cultura e amizade — tudo isso num espetáculo bem-humorado e inesgotável!”.
Depois que li tudo isso, ficou um dilema: devo ficar comovido ou assustado?