Artigo publicado resumidamente no Jornal O Serrano, em 10 de dezembro de 2021 – 6284 – CXIII
DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.5773934
Em setembro deste ano, Serra Negra recebeu o show do multi-instrumentista Derico, igualmente famoso como “assessor de assuntos aleatórios” (era convocado a falar sobre qualquer assunto e sempre de forma divertida) do José Eugênio Soares, mais conhecido como Jô Soares, que, além de ator, humorista (criou e interpretou dezenas de personagens icônicos), escritor, dramaturgo, diretor teatral e músico, ainda comandou o programa de entrevistas mais consagrado da televisão brasileira.
Certa vez, fui convidado a concorrer com o Derico e explicar as origens e as lendas relacionadas à época do Natal. Acredito que fui um bom “assessor de assuntos aleatórios”, já que a entrevista foi reprisada por três Natais seguidos!
Antigos xamãs, cogumelos alucinógenos, renas, São Nicolau e até um refrigerante famoso fizeram parte da conversa televisiva, onde expliquei como tais histórias mesclaram e chegaram até nossos dias, transformadas em “Papai Noel”.
Vamos começar com a figura milenar dos xamãs siberianos, vestindo suas pesadas roupas de pele, viajando velozmente em seus trenós puxados por renas, em busca do sagrado cogumelo vermelho e branco, colhidos um a um e armazenados em um saco de couro, para serem compartilhados com os membros destacados da tribo.
O sacerdote entra pela chaminé das moradas (eram casas subterrâneas, sendo uma mesma passagem para as pessoas e para a fumaça das fogueiras), presenteando os moradores com suas cantigas, danças e, é claro, o fungo mágico, o qual, para ter sua toxicidade diminuída, era assado na fogueira, espetado em galhos. Alguns dos efeitos deste vegetal é a sensação de voar, além de vermelhidão nas bochechas e nariz, comumente acompanhados de surtos de gargalhadas…
Qualquer semelhança com a moderna figura do Papai Noel de rosto rosado, aterrizando de seu voo, colocando presentes à lareira, assando marshmallows e rindo à toa, é muito mais do que coincidência…
Das terras geladas do Norte, as histórias destes poderosos xamãs migraram para o restante do mundo ocidental, criando sincretismo com as lendas já existentes naquelas regiões.
Para alcançarmos a mercantilizada e moderna figura do “Papai Natal” (“natalis” no latim, derivada do verbo “nascor” ou seja, “nascer”, de onde originaram “natal”, em português, “natale”, em italiano, e “noël”, em francês…), temos que destacar a forte influência de duas organizações muito poderosas: a antiga igreja romana e… o fabricante de um famoso refrigerante!
Uma das eficientes estratégias de disseminação na “nova” religião era a de incorporar para si, as datas, festejos, ritos e personagens de suas “concorrentes”, adaptando-os para si.
Desta forma, eram mais facilmente aceitos e compreendidos pela população, acostumada com os antigos deuses e cerimônias.
Por exemplo, a data comemorativa do nascimento de Jesus de Nazaré foi alterada mais de uma dezena de vezes, convenientemente coincidindo com festividades já existentes do público alvo.
A última data assumida corresponde ao solstício de inverno no hemisfério norte, ocasião em que festejavam o deus Mitra, cujo principal templo era onde hoje se encontra o Vaticano.
Os publicitários papais ainda conseguiram “salvar vários coelhos com uma só cajadada no caçador” (é que sou vegetariano…), criando o “super-xamã” !
Nenhum trenó de renas voava mais veloz do que o do bispo Nicolau…
Ninguém trazia presentes melhores que os dele: moedas de ouro para as donzelas sem dote e brinquedos para as crianças, fabricados por um exército de demônios que ele subjugou, obrigando-os a trabalhar para ele.
As mesmas forças que transformaram “vossa mercê”, em “vós mecê”, depois em “mecê”, “você”, “ocê”, até o atual “cê”, fizeram com que “Saint Nikolaus” (Santo Nicolau) migrasse para os Estados Unidos, como “Santa Claus” e de um bispo católico, para um personagem cristão genérico.
Novamente,os publicitários têm seu papel nesta história e a primeira figura da nova versão do personagem de que se tem notícia é de 1863, de autoria de Thomas Nast, mantendo traços de figuras bíblicas, como a respeitável barba branca, mas trajando roupas estilo esquimó, apropriadas às terras gélidas e distribuindo presentes, como o santo católico e os xamãs.
Pela primeira vez, a lenda de Santa Claus aparece associada aos festejos natalinos, tradição incorporada em definitivo até nossos dias.
Alguns estudiosos do xamanismo afirmam que, nas cerimônias com os cogumelos sagrados, os sacerdotes vestiam-se com as mesmas cores deste alucinógeno vegetal (vermelho com círculos brancos…).
Eis que em 1931, finalmente o personagem é ilustrado com vermelho e branco, justamente as cores do rótulo da bebida que patrocinou a campanha publicitária, que se renova todos os anos, desde então, associando o “bom velhinho” a esta marca específica.
É uma ironia do destino que, este produto que nasceu como xarope para dores de cabeça e que se reinventou como refrigerante, utilize as mesmas cores do fungo “mágico”…
Ainda mais porque seu nome sugere que os extratos vegetais de sua fórmula secreta tenham a ver com a folha-de-coca e a noz-de-cola, poderosos estimulantes, mas que, felizmente, longe estão dos efeitos da referida planta xamânica.
Claro, sei que existem muitas outras versões igualmente plausíveis para tudo que abordamos neste pequeno texto.
Creio que nunca saberemos o que é verdade e o que é ficção, quais histórias foram propositadamente criadas com fins bem definidos e as que surgiram espontaneamente oriundas dos sonhos e anseios da humanidade.
O importante é constatarmos que estas festividades, mais do que simples produtos do mercantilismo moderno, remontam ao universo dos Arquétipos, dos Símbolos e do Inconsciente Coletivo, que fascina não só aos Psicanalistas, como a todo indivíduo em busca de conhecimento.
Independente disso, ainda que no Brasil seja verão, antecipo aqui, meus votos de um feliz festejo de solstício de inverno para todos !
“Quando Jô Soares deixou seus personagens e passou a entrevistar, poucos imaginavam o sucesso que seria.
Me sinto honrado por ser um de seus entrevistados. Falamos sobre Papai Noel: sua mitologia e origens que passam pelos xamãs, São Nicolau, Coca-Cola… E, claro, muitas piadas com essa pauta natalina…
Meus livros sobre Florais de Bach ainda nem estavam publicados, mas, fiz questão de presentear ao Jô Soares e divulgar esta que hoje é uma das mais populares formas de terapia no Brasil.
Até a Arte já estava presente: a caricatura Papai JÔel, um de meus presentes ao entrevistador.
Com o fim de seu programa, Jô Soares se despede de um ciclo, ingressando em um novo que, tenho certeza, será sucesso igual ou ainda maior! Viva o Gordo!”
Henrique Vieira Filho
Henrique Vieira Filho é artista plástico, agente cultural (SNIIC: AG-207516), produtor cultural no Ponto de Cultura “Sociedade Das Artes” (SNIIC: SP-21915), diretor de arte, produtor audiovisual (ANCINE: 49361), escritor, jornalista (MTB 080467/SP), educador físico (CREF 040237-P/SP), terapeuta holístico (CRT 21001), professor de artes visuais e sociologia, pós-graduado em psicanálise e em perícia técnica sobre artes.