Neste bem-humorado artigo para o Jornal O SERRANO, Henrique Vieira Filho, homenageia o mês do folclore com as histórias mundiais e regionais de lobisomens, desde as culturas ancestrais, até suas versões cinematográficas.
Publicado resumido no Jornal O SERRANO, Nº 6368, de 25/08/2023
Agosto, mês do folclore, e eu, lembrando de minha avó Emma e suas histórias onde enfrentou um lobisomem ao voltar dos cafezais entre Amparo e Serra Negra.
“A Epopéia de Gilgamesh”, considerado o livro ocidental mais antigo (2000 a.C.) já contava que a deusa Ishtar transformou um pastor de ovelhas em lobo. Na mitologia grega, Zeus fez o mesmo com Licaonte, daí o termo “licantropia” para a metamorfose.
Nas tradições indígenas e africanas, os pajés em transe incorporam no animal e o comandam.
O folclorista Câmara Cascudo relata que, no centro para o norte brasileiro, a versão é que pessoas acometidas de intratáveis doenças debilitantes usam da magia para se transformar em lobos e consumir o sangue das vítimas. Nas encruzilhadas, se despem e dão sete nós nas roupas, passando a imitar o animal até conseguir se metamorfosear. E se alguém encontrar suas vestes e desfazer os nós, o lobisomem só poderá voltar à forma humana se conseguir matar essa pessoa.
No sul e sudeste, foi a versão portuguesa a que mais se disseminou, a de que se trata de um castigo divino por ter cometido incesto ou pelo simples “azar” de ser o oitavo filho homem após sete irmãs, ou apenas por ser o sétimo filho e, a variante mais complicada: ser o sétimo filho, de pai que foi também o sétimo irmão, do avô que igualmente foi o sétimo nascido!
Para matar a fera, às vezes, basta a arma ser de prata, em outras, tem que ser uma bala banhada em cera de vela do altar de uma igreja que tenha celebrado, pelo menos, três Missas do Galo!
A medicina já documentou casos raros de Hipertricose (síndrome do lobisomem), mutação genética que causa o crescimento de pelos em todo corpo, bem como a psiquiatria já documentou casos de “serial-killers”, como o assassino Peter Stumpp, conhecido como “Lobisomem de Bedburg”.
Mais sutil, a psicanálise classifica como fenômeno arquetípico, uma representação simbólica dos instintos e conceitos primordiais dos homens, um “complexo”, que pode chegar a se sobrepor à consciência.
Bem interessante é a abordagem da psicanalista junguiana, Chantal Bourgault Du Coudray: a lua é a representação de um arquétipo feminino e que o ciclo lunar ao qual o lobisomem derrama sangue, simboliza o ciclo menstrual e a transformação se dá na figura feminina, uma loba, a expressão da anima, que uiva para a lua, a grande mãe.
As lendas são tão curiosas que renderam inúmeros filmes, sendo de 1914, o primeiro de incontáveis posteriores. Um foi filmado em nossa região, em Monte Alegre do Sul: “O Lobisomem de Pedra de Fogo”, uma mistura de suspense, comédia e romance.
Caracterização do ator Lon Chaney, Jr. para o filme “Wolf Man”, de 1941 – Fotografado nos estúdios da Universal, por Henrique Vieira Filho
A internet coleciona relatos e imagens duvidosas de recentes avistamentos em Serra Negra e cidades vizinhas.
O “causo” que mais repercutiu aconteceu em 2018 e virou uma divertida marcha carnavalesca, de autoria da troupe campineira, “Os Marcheiros”:
Eu vou contar uma história arrepiante!
Juro não ser brincadeira!
Não se fala de outra coisa, lá pelas bandas de Pedreira.
Na madrugada, à luz da lua, é que o peludo foi avistado na rua!
Metade lobo, metade homem… Deus que me livre! O que esses bichos comem?
É o lobisomem de Pedreira, que me deu uma carreira!
É o lobisomem de Pedreira, à noite não dê bobeira!